quinta-feira, 7 de junho de 2012

Á Existência

"Pois a vida acolhe enquanto eu a observo."

Os passos eram curtos e sem trajetória definida. Demonstravam mais do caos do que da ordem, mas não se sentiam alarmados, sequer tinham idade para isto, apenas desenhavam o seu andar meio a desajeitada tela de pedaços de concreto. O equilíbrio coexistia junto à carne, e os passos magistrais obtinham êxito em equilibrar-se na extremidade da calçada.
Os dias, os meses e o ano não surtiam efeito, não fazia sentido contabilizar o tempo quando a ampulheta sequer existia. A única regra era migrar de uma distração a outra até que chegasse à hora de enfrentar os sonhos que oscilavam entre pesadelos e passagens gratificantes. Logo após este ritual outro se iniciava, um novo dia nascia, embora existissem alguns imprevistos a rotina era mais do que certa. As tarefas mudavam, as pessoas mudavam, mas esta não.
De pedras, jogos e passatempos a infância é feita, não tão simples assim, porém plausível. Sequer existe o tempo, sequer defronta com o tempo, sequer conhece o tempo.
Então ela agarrou os seus fios de cabelos que estavam diante do sol, juntou todos eles, deixou os ouvidos bem acomodados para que fossem capazes de ouvir algo, então se agachou. Estava tentando escutar algo além do concreto, porém ele permanecia em silêncio. Era curiosidade, a vontade de saber se realmente existia alguém vivendo embaixo da terra e se tal alguém realmente estava presente. A respiração era repreendida no peito, lembrava-se daquilo que havia escutado de sua mãe e de tantas outras pessoas, lembrava das criaturas que estavam abaixo de todos e diziam que espreitavam na distância. Sem sucesso, não ouviu nada, o concreto estava calado, as vozes vindas da terra não se mostravam existentes.
Desistiu de procurar o irreal e com um sorriso amplamente estampado na face aceitou o mundano, um tipo de aceitação sem escolha. Ela sabia que durante a noite, ou em alguma página de um livro familiar, existiam coisas além de sua compreensão, estavam todas lá para serem desvendadas. Bastava que fossem importunadas, criadas, imaginadas, relembradas...
De playground a playground buscando apenas a satisfação com devaneios, jogando as cascas de bala ao chão e sentindo o sabor doce que a vida mostra ser capaz de ofertar. Coleção de sorrisos, bons hábitos, e mãos amigas a todo instante. Os dias são assim, sem muito planejamento, mas uma dose intensa de espontaneidade sem escolha.
De repente os sapatos ficam apertados, é necessária uma numeração maior, alguns brinquedos passam a não ser capazes de distrair quanto antes, o futuro é assim. Ordens como “não converse com estranhos”, “olhe para os dois lados da rua” são uma constante. Deve-se acatá-las. Senão é desobediência e junto a ela coexiste a punição.
Há uma velha que envolta em um manto oferta da sua ajuda. Sua mão desconhecida quase sempre é deixada perante a companhia de moscas ao relento. Criança nenhuma ousa tocar a estranha, muito menos manter contato. Lembram-se dos castigos, das punições, das palavras de lei que ressoam pela casa e são proferidas pelos monarcas. Então ela desvia o olhar, fingi não ver aquela personalidade já desgastada, e procura um amigo imaginário ultrapassado, faz este apelo, jan ao tao comum assim nos dias de hoje, tal amigo só serve de distração em momentos de constrangimentos. A velha parece não se importar, mas sim entender, porém sem questionar, a escolha não foi dela.
A vida, sempre modificando as leis de sua própria existência, oferecendo amizades e inimizades, sempre onipresente e onipotente acolhe a todos em sua nebulosa estadia.
Embora as ilusões sempre presentes estas se cansam, no confronto com o dia comum poucas conseguem sobreviver. São dignas de imortalidades apenas no coração de poucos bem aventurados corações e férteis mentes capazes de acolhê-las.
Ela agora tenta se equilibrar assim como antes, mas esta tarefa é um tanto árdua quando esta sobre um salto, tudo parece mais custoso, seja no que diz respeito a equilibrar, tentar ou suportar.
Brinquedos agora quando se quebram são deixados de lado, agora são mais figurantes do que protagonistas. Mas ainda estão em palco, não tao no centro assim, marcando nada mais do que presença, pois nem mesmo distração podem ofertar, estão ultrapassados e não são capazes de arrancar suspiros infantis como antes. Ainda respiram, uma não-vida sustentada por lembranças e limitada a poeira sobre o corpo.
É outro momento, mas a velha esta a frente dela, oferece da sua mão para que exista uma ajuda, mas ela não aceita, prefere o chão. Pois sabe que alguém vai ajudar, pois sempre há uma mão amiga para tal tarefa. A velha ciente do papel que deve desempenhar não mais oferece da sua mão, mais se aproxima, acolhe a garota no colo, esta sem escolher fica horrorizada com tamanha ousadia. Parece não entender, mas aceita.
A garota que esta sobre os braços fica em silencio, aquela que empresta seus braços também. Não há diálogos, apenas há a troca de olhares, tímidos olhares meio ao silêncio. A velha sabe que sua hora ia chegar, mas a garota sempre tentou evitar, desta vez foi inevitável, era necessário uma mão amiga quando ela caísse, sempre foi, nos inúmeros acidentes. Da sua mão todas as crianças estão destinadas a serem acolhidas, todas elas caem, até um ultimo momento, após este, todas elas aprendem como devem se levantar, não mais esperam por ombro amigo algum, mas sempre se lembram da ultima pessoa que as ajudou; tal personalidade envolta no manto.
São tempos um tanto distantes, sequer existem inúmeras mãos para ajudar nas quedas, agora elas não são necessárias. Todas as crianças crescem e sabem que não podem esperar por alguém para oferecer ajuda. Estão prontas para viver em tantos pedaços, diante de ferimentos e desgraças, sabem que a vida lhes acolhe, mas não promete mil maravilhas, a não ser satisfação momentânea.
Eu sei da veracidade de tal passagem, pois eu sou o Tempo, embora a oferta de ajuda não parta da minha mão eu indico quem deve a fazer. A vida sabe o momento em que a ajuda deve ser ofertada. Eu me calo. Lanço um ultimo olhar a garota agora mulher de cabelo dourado. Faço tal anotação para que eu mesmo não esqueça do meu trabalho, pois ainda há de vir infinitos grãos de areia para eu contabilizar. Nestas infinitas passagens devo lembrar quem sou eu. Sempre devo. Também devo impedir que a vida me acolha, ou a velhice, se for o caso. Enfim, não há diferença, pois tempo é tempo. E este sou eu, sei a real capacidade que possuo, se torna válido manter a cautela.

Texto, Ítalo A. C. Freire (Escriba Odiado)

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